São 14h e 29 minutos do dia 19 de outubro, faz 11 dias que você partiu...
Já me disseram inúmeras vezes que o tempo ia curar as feridas e transformar em saudade essa dor que beira à loucura...
A verdade é que hoje a dor bateu mais forte. Depois de dormir agarrada em seu moletom e guardá-lo cuidadosamente para que ninguém o colocasse para lavar por engano, pensei que estivesse mais forte...
Deixei a Juju dormindo e fui tomar banho para ir fazer o exame demissional na faculdade. Doeu saber que mesmo neste momento, não houve nenhuma manifestaçãob de solidariedade por parte deles que aceitaram meu pedido de demissão prontamente por e-mail mesmo. Mas doeu muito mais não poder dividir isso com você e ouvir seus conselhos que sempre me mostravam o caminho certo. Segurei o choro dezenas de vezes enquanto empurrava o café goela abaixo pensando única e exclusivamente na saúde do nosso pequeno Bruno. Sim! Nosso filho terá o seu nome, não haveria melhor escolha e meu coração nunca bateu tão forte de certeza quando o escolhi. Ele será um grande homem como você!
Volto meu olhar para a Júlia que já havia acordado quando eu saia do banheiro. Eu ainda enrolada na toalha, precisei abraçá-la forte e tirar forças do fundo da alma para sorrir e dizer bom dia. Não há nada mais custoso do que sorrir ou responder às pessoas que nos cumprimentam com um "tudo bem" ou " como você está". Tenho vontade de gritar: meu coração está destruído, não quero sorrir, viver oi falar. Mas engulo seco e esboço um leve sorriso com os olhos marejados de lágrimas... as mesmas lágrimas que seguro enquanto olho Júlia tomando seu café da manhã sozinha. Você não está aqui para sentir orgulho e não consigo sentir na mesma proporção de antes já que nada sem você tem graça. Não quero chorar perto dela ou de minha mãe que começou cedo a preparar minha comida favorita, frango com quiabo. Ela está se esforçando para me ajudar e me ver bem, mas eu sei que sofre calada. Eles estão aqui há 10 dias e amanhã vão embora; não quero que partam pensando que eu estou mal. Mas eu estou, tenho medo. Gostaria que alguém segurasse a minha mão como você fazia.
Olho para o relógio do microondas e vejo que não tenho mais muito tempo, tiro a Júlia do cadeirão e corro para trocá-la.
Meu braço dói um pouco, mas não consigo delegar essas funções para outra pessoa.
Júlia está muito agarrada comigo, tem medo de me perder. E eu sei que ela está sofrendo a sua ausência assim como eu. Fecho os olhos e vejo você chegando em casa, antes da hora, nos pegando de surpresa e nos enchendo de alegria, vejo Júlia se inclinando para trás e fechando os olhos (como eu fazia) para ganhar um beijo seu. Sorríamos...
Meus pensamentos são interrompidos pela Mari que chega para me levar à clínica. Não posso dirigir, preciso de ajuda para tudo, ela e a Tati têm se mostrado muito solidárias e dedicado parte de suas vidas para nos ajudar.
Tento sair de casa, mas Júlia não permite se desgrudar de mim. Tenho dó e a levo comigo.
No caminho, ficamos paradas na rodovia por 15 minutos por conta da construção da 3a faixa...
Olho pela janela e nos vejo passando de carro inúmeras vezes naquele trajeto. Quantas vezes atrás de caminhões comentávamos como seria bom depois de acabada a obra. Respiro fundo e seguro o choro novamente. Nós nunca pensamos em sair daqui, tínhamos certeza de que ficaríamos velhinhos e caminharíamos toda tarde contemplando o pôr do sol... nessa hora tenho certeza que minha dor não diminui, só aumenta com o tempo. Suspiro fundo e sinto um pontada no peito, respirar sem você dói.
Na clínica, à espera do exame, Júlia se agarra ao meu colo. Estou fraca, respiração ofegante e sinto muito calor. Imagino que você estaria comigo brincando com a Júlia na rua enquanto eu aguardo na recepção... de repente me percorre um frio na espinha: e se me perguntarem a situação civil? Não quero chorar na frente de estranhos, rezo para que não tenha esse campo na ficha médica.
Júlia está inquieta, penso como será difícil quando Bruno nascer.
Eu envelheci 20 anos nesse últimos dias, estou visivelmente mais magra apesar de grávida.
Vejo nossa filha brincado de esconder o rosto com um estranho que também aguarda atendimento e penso no como ela sente sua falta. Dói pensar que você também sente a nossa falta...
A médica me examina enquanto Júlia grita de medo relembrando os últimos acontecimentos no hospital. Ela tem medo que alguém me machuque...
Voltamos para casa e no caminho para o carro Júlia vai caminhando e segurando a minha mão como sempre sonhei que faríamos em família.
Ela só tem 1 ano e 7 meses mas parece uma moça. Ela também amadureceu com os últimos acontecimentos.
Mais uma vez seguro o choro e suspiro...
Em casa, o cheiro de comida da mãe é bom, mas não tenho fome. Você também gostava desse prato e não há graça não poder dividir com você.
Mais uma vez tiro forças e preparo o prato da Júlia enquanto Mari e Murilo sentam à mesa com meus pais. Eles são bons amigo e fazem questão de estar por perto.
Hoje faz muito calor e Júlia está molhada de suor, mas come...
As pessoas conversam sobre coisas banais e meu pensamento voa para você. Engulo a comida sem sentir o gosto enquanto Júlia corre lá fora com a Babi.
Ao me ver, ela pede colo e balbucia um mamãe cheio de amor. Está muito quente, me despeço da Mari e peço para minha mãe preparar a água do banho da Ju. Ela não quer me largar, mas é tirada a força de meus braços para tomar banho. Meu coração corta só vê-la e ouvi-la chorar baixinho e sentida. Tento acalmá-lá e me sinto culpada por não poder dar banho em nossa filha. Sinto vontade de mergulhar o gesso na água e abraçá-la. Ainda em prantos ela sai do banho e se agarra a mim, soluçando. Nessa hora, percebo que nossa filha sofre muito pela sua partida. Começo a perceber que ela muitas vezes tampa os ouvidos com a mãos e sacode a cabeça várias vezes como eu faço quando bate o desespero ao lembrar do acidente. Abraço-a fortemente e digo que jamais lhe deixarei, mas não sei se poderei cumprir tal promessa. Você já me prometeu isso algumas vezes...
Apenas coloco a fralda e a levo para nossa cama, ela me abraça com toda a força de seus bracinhos e soluça baixinho. Canto com ela a música da estrelinha, pensando em você.
Ela olha para o teto como se conseguisse te ver. Eu mostro para ela sua foto e repito que nós a amamos muito e que você está no nosso coração, toco com o dedo em seu coração enquanto digo: papai está no coração.
Ela dorme suspirando e soluçando...
Eu penso se ela pode te ver, e posso jurar que sim.
As lágrimas escorrem pelo meu rosto, meu bem. Não tenho forças enquanto ela dorme, vejo sua foto sorrindo e me pergunto por que isso aconteceu conosco?
Queria te ver, poder falar como você. Te imploro que se houver um jeito, fale comigo, me diga o que fazer ou o porquê disso ter acontecido. Há um propósito ou foi mero acaso? Preciso acreditar que não, mas preciso de ajuda. Só você pode me ajudar...
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