sábado, 28 de janeiro de 2017

Meu bem, eu sei que você esteve comigo. Eu sei que você segurou a minha mão enquanto eu tremia de medo, de pavor, de dor e sob efeito dos medicamentos. Eu sei que você zelou pelo nosso pequeno durante os procedimentos enquanto eu, sem poder enxergá-lo, pedia notícias, alertava os médicos para não esquecerem a pulseirinha, implorava a Deus para ouvir seu choro... eu sei que você também se preocupou... eu sei que você não me permitiu passar por isso sozinha. Naquele momento, um dos piores da minha vida, eu tive que me apegar em algo que não posso ver, tive que ser mais forte que jamais imaginei ser, simplesmente para não morrer, simplesmente para manter meus olhos abertos
 e controlar as batidas do coração. A respiração falhava, a boca secou a ponto de eu não conseguir falar, os olhos ficaram turvos, eu não vi mais ninguém... ouvia as vozes, e implorava para acabar logo toda a agonia... eu sei que você esteva lá, cuidando do que eu não podia, por isso, hoje, vou contar essa  história para o nosso pequeno, porque você eu sei que está vendo tudo...
Meu filhote apressado, você chegou ao mundo de uma forma inesperada às 21 horas e 5 minutos de uma segunda-feira quente  e tumultuada. Você estava previsto para chegar no dia 22 de Março, mas não conseguiu esperar, veio como um raio de esperança, trazendo muito amor e um pouquinho de confusão no dia 23 de janeiro, mesmo dia do nascimento do seu pai!
Como seu pai, você foi decidido e objetivo. Não aceitou que ninguém mudasse os seus planos. Quis vir ao mundo e veio, simplesmente...
Na sexta-feira, eu senti uma vontade louca de lavar alguns tapetes... limpar a casa e ajeitar o seu quarto. Me contive, apenas acertei os detalhes da escola da Júlia, comprei o colchão para a cama dela. Fui almoçar na minha mãe, voltei para casa com a sensação de que algo estava errado... não sentia você se mexer, minha barriga ficou bem dura. Tentei relaxar. Entrei na piscina com a Júlia, deitei-me apoiada na borda, enquanto ela brincava com todo o vigor que lhe é peculiar. No início da noite, você voltou a mexer, mas não com todo vigor... passei uma noite bastante incômoda, mas amanheci com a sensação de que era apenas mais um dia na minha longa caminhada pela frente, mais um dia igual. Era sábado, dia triste para mim, resolvi ficar só com a Júlia, não saí, cuidei do almoço enquanto ela rabiscava o chão, a parede, os livros, eu e ela mesma... almoçamos num silêncio que provoca dor a qualquer coração acostumado à agitação e felicidade com que fazíamos as refeições em casa... descansamos a tarde, dormi com a Júlia, mas acordei rápido sentindo algumas cólicas... assim terminamos o dia, a noite veio e com ela mais cólicas... acordei me sentindo estranha, pesada, barriga muito dura... às 11 da manhã eu já sabia que eu tinha contrações... mas enganei meu coração e fui almoçar na minha mãe... passei por lá a tarde, sentindo dores e tentando ficar calma, até que as 18h percebi que não poderia mais esperar. Liguei para o médico, um desses anjos que aparecem em nossas vidas, expliquei o que sentia e ele pediu para eu encontrá-lo na maternidade. Passei em casa, sua tia Cris foi comigo, mas quem dirigiu fui eu... cada buraco, cada semáforo, eu olhava para o lado e via seu pai assustado e sorrindo, como no dia em que Júlia nasceu...
As contrações aumentaram, peguei algumas roupinhas ( ainda sujas) para você, tomei um banho e corri o mais rápido que pude. No meio do caminho, senti a dor apertar. Cheguei à maternidade sentindo contrações de 2 em 2 minutos...
Meu médico chegou alguns segundos depois de mim. O exame foi rápido e certeiro, trabalho de parto. Porém o colo estava fechado, era possível inibir. Fui direto para medicação na veia. O primeiro susto veio quando descobri que precisaria ficar internada... e a Júlia? Eu não havia conversado com ela, não havia preparado-a para minha ausência, eu sequer me despedi para que ela não chorasse....
O remédio fez efeito logo e as contrações começaram a se espaçar até que começaram a vir de hora em hora... acalmei meu coração e pensei que tudo ia ficar bem. Prometi me comportar melhor, ficar mais quieta, repousar... mas às 6 da manhã precisamos ligar para o médico, as contrações voltaram e a dose de medicação foi aumentada. A todo momento eu perguntava se você estava bem, os médicos diziam que sim, ouviam seu coração e me acalmava.
Mas os remédios não surtiram efeito. Você queria nascer. Suportei a dor. Você precisava esperar mais 24h no mínimo. Eu resisti, a cada contração, que chegava às vezes em menos de 2 minutos, eu me contorcia na cama, mas pensava em você... às 7 da noite meu médico voltou. Ele estava sério, mas ainda tentou aumentar a dose de medicação. Eu chorei de cansaço e pela primeira vez admiti que não aguentava mais... meu médico permaneceu calado ao meu lado enquanto ouvia seu coração. Eu vi sua expressão mudar, sua expressão suave  deu lugar a uma aparente preocupação. Senti o coração gelar, ele já estava disparado devido à alta dose de medicação... mas o seu até então permanecia normal, sem nenhuma alteração.
O médico sentou-se em silêncio ao lado da cama e me disse o que eu já suspeitava: não podemos mais esperar! O coração do bebê está acelerado demais...eram 19h e 30 minutos, mais ou menos. Depois disso, tudo que aconteceu foi intenso, rápido e confuso... eu não sabia o que sentir. Eu não ouvia o que me diziam. Meus pés pareciam flutuar. Eu pensava no seu pai, como quis e precisei dele naquele momento...
Mas eu não me sentia tão sozinha, tinha você ainda dentro de mim... os médicos e enfermeiros traziam fios, equipamentos, ajeitavam instrumentos, me preparavam... eu comecei a chorar. Alguém me perguntou por quê e eu disse que sentia medo. De quê? Tanta coisa... não dava para explicar...
Chorei sozinha, ninguém segurou a minha mão, o lugar do seu pai permaneceu vazio. Minhas mãos estavam amarradas, mas imploravam por segurança. Eu pensei em você, mentalizei seu pai ali comigo, implorei para Deus cuidar da gente. Foi quando os médicos disseram que você estava nascendo. Nasceu chorando, gritando, mostrando que chegara. Não vi seu rosto, não toquei você, eu perguntava por você e os médicos diziam está bem, mas eu aprendi a desconfiar dessa expressão... parei de ouvir seu choro, demorou demais até te trazerem para mim. Eu só ouvia barulhos de máquinas, sucção, confusão... eu me desliguei do mundo e me obriguei a acreditar em algo que não posso vê ou sentir... não apenas orei, mas implorei pela sua vida. Quando me trouxeram você, seu cheiro e seu calor afastaram toda dor e medo. Você estava quentinho e cheiroso, vermelhinho e me pareceu muito bem. Mal deu tempo de pensar  e você foi levado, precisava de uma pequena ajuda para respirar...
Foi nessa hora que me senti a pessoa mais sozinha do mundo. Eu estava longe das 3 pessoas mais importantes da minha vida: você, sua irma e seu pai. Pela primeira vez, eu estava realmente sozinha... você que foi meu companheiro de corpo, de dor, de angústia, mas que me emprestou a vida por essas últimas 16 semanas não estava mais preso a mim, tinha se libertado, estava sozinho lutando por si. Júlia estava longe, senti vontade de abraçá-la e aliviar a dor do meu peito... chorei pelo meu amor, meu amigo, meu companheiro, minha vida que me faltava mais que nunca... meus olhos embaçaram com as lágrimas, fiquei muda, surda e cega até que percebi que não havia de fato mais ninguém na sala comigo... tentei chamar, a voz fugiu... entrei em pânico. Não me lembro mais de nada, não sei como fui para o quarto, não me lembro de quem estava lá, acordei com frio, sem conseguir me mexer. Você não estava comigo, seu pai não estava do meu lado como eu esperava, como ele tanto desejava. Só havia o medo... precisei lutar comigo mesma, contra o pânico e os pensamentos que me desnorteavam.... adormeci e acordei com o médico entrando pela porta. O dia comecara, eu precisava ser forte, você me esperava lá fora.
A primeira imagem que tenho de você na incubadora é dura e doce! Você estava envolto em um
Ninho de flores bem delicadas, mas sobre um lençol de bicicletinhas estilo retrô, que muito lembram uma Harley... lembrei-me do seu quarto! É nele que você dormirá em breve! Até que fique esperto o suficiente para escolher ou fugir para minha cama no meio da noite. Seu lugar está lá! A cama é grande, cabe todos nós, papai pensou em tudo... ele sempre pensou mais à frente que os outros...

3 comentários:

  1. Impossível não se emocionar com tudo isso..... Espero que vcs estejam bem! Beijos da nossa família 😘❤😘

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  2. Letícia, você é realmente muito especial. Achar forças no meio de tanta dor é para poucos. Bem-vindo Bruno! Continuo em oração por vocês 4, que toda sua garra Letícia traga alegria e amor na sua linda família.

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  3. Deus abençoe muito vocês!!! Não consigo parar de chorar!!! Continuo orando por vocês!!!

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